domingo, 30 de abril de 2017

Leituras - O estado do bosque

Espanta-me sentir que o verde-azulado da paisagem é mais belo do que alguma vez foi. Rosas espalhadas pelo vale. Chega até mim o seu perfume. As pétalas são como brasas no gelo. Não sei explicar, mas tudo ganha uma beleza  que antes não tinha. Silenciosas espaços abertos."

José Tolentino Mendonça cultiva uma sabedoria que se alimenta dos textos que fizeram a tradição cultural do Ocidente e lhe deram um conteúdo civilizacional. O mundo grego, naturalmente, a herança latina, o antigo e o novo Testamento e um sentido próprio de encontrar o silêncio, os feixes de luz nos espaços que fazem a vida do homem. A sua poesia interroga a memória, a casa, os espaços do mundo, como formas de conhecimento. 

Se a poesia é a formulação de uma paisagem que se acende sobre o vivido, o observado, o sentido, a de Tolentino Mendonça dá conta desse processo. O que não deixa de ser um enigma num homem que veste os rituais e os símbolos de uma religião, que tem ela própria sido demasiadas vezes insensível à respiração humana.

O estado do bosque expressa essa procura pela essência do que o Homem vive, das suas experiências e a busca de uma aprendizagem feita entre os elementos físicos do mundo. Texto de natureza dramática, O estado do bosque dá-nos sete cenas e cnco personagens, fazendo a recuperação de um tempo primordial, o que afasta a técnica, a massificação de comportamentos para nos iluminar na beleza que nos rodeia, na luz ao nosso dispor. 

E, se nessa luz mora uma tranquilidade, nós nos religamos a uma profunda ligação ao mundo e por isso mesmo um conhecimento que nos leva a ver "o rosto de Deus". E é evidente que esta religação não se  alberga em templos feitos por homens , mas na estrelas que nos iluminam. Iluminação de um universo que nos acolhe, que diferentes povos conhecem em línguas, como cantos, estrelas de um cosmos. "Canopus", ou "Kali Nub", onde "o mundo parece abrir-se" (p.61).

É a sua descoberta em cada homem, essa estrela, como também uma casa, um bosque, uma palavra, uma linguagem onde repousem o brilho da vida que se torna a anunciação de uma esperança. Aquela que proclama em nós uma viagem,  o amplo conhecimento do mundo. O estado do bosque  é um pequeno livro cheio de imagens sobre o que somos em civilizações sitiadas por muitos nadas, com pessoas em sentimento de vazio. Este pequeno texto dá-nos um conjunto de sinais que são o da nossa própria respiração.

Afinal, esse caminho descoberto no natural, a viagem no interior do coração conduzirá a essa essência fundamental: "Tu és a árvore. Tu és o sopro do bosque. Tu és o cheiro forte e amargo dos fetos. Tu és a linha de névoa flutuante. Não digas: aprendo a caminhar na escuridão. Diz somente: sou" (p. 32). Livro publicado há já três anos, O estado do bosque é um texto dramático que vale a pena descobrir, ou reler. Nele encontramos uma sabedoria para iluminar tempos perdidos em tecnologia, em écrans de pouco brilho interior.  

José Tolentino Mendonça. (2013). O estado do bosque. Lisboa: Assírio & Alvim.

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