quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Memória de Albert Camus


"Bem pobres são aqueles que precisam de mitos. Descrevo e digo: 'isto é vermelho, azul, verde. Isto é o mar, as montanhas, as flores.' Tenho eu necessidade de falar de Dionísio para dizer que gosto de esmagar bolas de lentiscos debaixo do meu nariz?"  (1)

Há cem anos nascia um dos grandes (a palavra é pobre para o exprimir) pensadores sobre a condição humana. Foi identificado como um dos que pertenceu a um século onde alguns homens pensavam a sociedade ou para indicar possibilidades ou para forjar caminhos alternativos, os chamados intelectuais. A palavra não lhe faz completa justiça, pois ele foi sobretudo uma voz moral, acima da pequena política, das intrigas de palácio, onde soube falar sobre a natureza humana e dar-nos esse ânimo na voz que caminha entre a desistência mais passiva e o não afirmativo, comprometido, solidário por uma causa. A sua causa foi a da democracia da beleza, conceito, nobre à procura de uma revolução, sim a a da vida, como ele também expressou.

Filho de outro continente, das geografias humanas colonizadas, dessa mistura de povos e culturas, filho nas margens da sociedade, cultivou a resistência e o estudo como a verdadeira porta para se ser livre. É assim filho dessa ideia, que a França cultivou de que uma educação republicana, poderia fazer nascer um País desenvolvido. E escreveu sobre nós, as nossas ambições, a fragilidade humana na efemeridade do tempo e os valores morais que devemos vestir em qualquer contexto. Tony Judt chamou-lhe o 'Melhor homem de França' e esta sente-lhe a falta, desde que se tornou passivamente indiferente à contemporaneidade.


Escreveu O estrangeiro, A peste, O mito de Sísifo, Os discursos da Suécia, A morte feliz e O primeiro homem. Foi Prémio Nobel da Literatura em 1957 e é das poucas vozes coerentes do século XX onde podemos ainda ver o caos e a angústia dos tempos modernos como uma forma de expressão da humanidade, da nossa natureza. Compreendeu os limites das tiranias do século XX, antes de algumas das suas vozes mais sonantes e devemos-lhe isso, essa coerência pelo que somos. Caminhou sozinho, com a voz interior de um oráculo que se quer descobrir a si nos outros.

Essa felicidade que procurou, que procuramos, entre múltiplas imagens, na procura da memória mais bela a fundir no sonho, entre o universo visível que nos é dado a ver e a nossa experiência humana. Chama-se Albert Camus e nasceu há muitas décadas para que o visitemos nestes tempos obscuros que exigem um conhecimento de um homem essencial do século XX, de múltiplos séculos, nessa luta essencial entre o absurdo e a revolta, para a construção do possível humano.

(1) citado de Maria Luísa Malato, "Lumières d'Albert Camus

Sem comentários:

Enviar um comentário