sexta-feira, 2 de março de 2018

Leituras - Entre o céu e a terra

Todas as pinturas negras procuram a intemporalidade estática da forma e todas procuram absorver-nos no insondável mistério das sombras que adivinhamos querer envolver-nos, fechar-nos os olhos. Por vezes é uma experiência religiosa de esvaziamento e recomeço.

A escultura talvez seja, entre as diversas formas de Arte, a que mais ambiciona formar-se numa materialidade, uma substância edificada na construção de um espaço, uma interrogação às suas linhas Parecer ser nela que se labuta uma representação de belo, ora mais austera, como nos calcários da Europa Central e em particular na Alemanha, ou nos cristalinos mármores italianos. Em diferentes materiais, artistas de longos séculos deixaram na pedra expressões de fé, sorrisos de anjos, como uma esperança para acordar novos tempos, ou instantes finais para a eternidade.

A escultura, que nos oferece na pedra ou na madeira extractos de luz em vincos de perfeição é uma expressão de algo que se torna intemporal, as ideias em visão de futuro. A escultura exige uma execução técnica, um rigor com a matéria, mas igualmente obriga o artista a algo que faz da sua criação algo especial. O escultor imagina uma forma no espaço, um pensamento a construir-se e dá-lhe a pureza dos traços num rigor minimalista. Traços para a construção de uma intemporalidade de significados diversos, de abandono de uma experiência do real ou só da nossa natural condição humana de efemeridade. 

Traços que nos devolvem formas civilizacionais de ver o mundo, como a sobriedade germânica, os seus valores iconoclastas, ou a exagerada projecção da realidade que a luz do Sul nos devolve. Traços imaginados e construídos entre uma aproximação mais naturalista, a simplicidade nas formas, elas próprias, expressão emocionada de ideias e esse absoluto de dar à pedra a energia dos elementos, como um Apolo e Daphne de Bernini. 
A escultura como forma de reter a vida, o corpo, o silêncio de Deus, ou a voz no vento a formular um programa capaz de nos identificar com a nossa essência.

Ela é, uma forma de nos fazer chegar a indivisibilidade  do real, esse sonho antigo dos Gregos. Foi dessa conjugação entre sonho e razão, de um abandono em que nos situamos, entre o céu e a terra que Rui Chafes deu conta num pequeno e brilhante livro sobre justamente, a escultura, como expressão artística, como manifestação de vida. Podemos concluir com Novalis, que, cada geração  há-de ser um certo modo, uma "infância do Mundo", a possibilidade de criar novas formas no espaço, feitas de ideias e de belo. 

No fundo saber e compreender que todas as iniciativas são sempre começos e que "estamos sós com tudo aquilo que amamos." A vida e a escultura, como uma ideia nobre, feita de futuro e de possibilidades. Entre o céu e a terra é uma pessoal e emocionada forma de nos apresentar a escultura, como uma das expressões mais humanas da expressão artística.

Imagem - Copyright: Lourdes Castro, 1959. Museu Calouste Gulbenkian.

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