sábado, 1 de abril de 2017

Leituras - Palimpsesto

"Leio um texto e vou-o cobrindo com o meu próprio texto que esboço no alto da página mas que projecta a sua sombra escrita sobre toda a mancha do livro. Esta sobreposição textual tem por fonte os olhos, parece-me que um fino pano flutua entre os olhos e a mão e acaba cobrindo como uma rede, uma nuvem, o já escrito. O meu texto é completamente transparente e percebo a topografia das primeiras palavras. " Maria Gabriela Llansol. (1999). O Livro das Comunidades.

Palimpsesto significa no grego antigo aquilo que se raspa num texto para voltar a escrever de novo. Na Idade Média apagava-se textos em materiais que voltavam a ser reescritos, pois os pergaminhos ou os antigos papiros eram reutilizados. Palimsesto é o nome de um excelente livro de poesia. Palavras reescritas sobre o texto que lemos, as referências com que os nossos olhos se depararam, uma nuvem a pairar sobre a nossa própria transparaência. 

Palimsesto é um livro de poesia que está organizado em quatro áreas, datadas de diferentes anos:
      - Volume I. Da Vida das Marionetas {Para uma Dramaturgia do Corpo Inanimado} - 2012; 
      - Volume II: Bartlebys Reunidos {Para uma Ética da Impotência} - 2013;
      - Volume III: Comércio com Fantasmas {Para uma Episteolografian Espectral} - 2014;
      - Volume IV: Anjos Necessários {Para uma Escrita do Desejo} - 2015.

Palimsesto é um livro de poesia que procura fazer uma homenagem a Charles Baudelaire e em especial ao seu livro, publicado em 1860, Les paradis artifiels. A ideia base do livro suporta-se num conceito de abordagem proposto por Walter Benjamim, o de que somos aqui esperados há muito e que só podemos escrever com o eco de muitos silêncios, todos os que nos precedram. Assim, a fragilidade da vida, a morte e o amor como forma de redenção são temas abordados nesta poesia, e naturalmente a escrita, a linguagem como ponto de partida para construir um sentido com o mundo. A escrita, "perante a condenação de estarmos vivos e a forma de deixarmo-nos contagiar pela transparência enigmática do amor e da morte." (pág. 131).

A escrita faz-nos escrever o que somos, o que vemos, o que sentimos sobre a rasura do mundo, sobre o já visto e faz-nos ver pelo poema espaços ocultos, mesmo que sejam o brilho de pontos a morrer, no exacto momento em que aluz se acende (Roland Barthes). O livro faz refeerências a figuras, ou objectos da literatura, do cinema, da música, da ficção  e nelas deposita um novo conjunto de palavras, um olhar numa superfície já existente. Palimsesto é um livro de poesia que implica referências culturais e atmosferas que nos fazem olhar para elas próprias e descobrir este novo olhar, este novo Palimsesto. 

Ricardo Gil Soeiro. (2016). Palimpsesto. Porto: Deriva Editores.


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