segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Leituras - Apologia do ócio

"A devoção perpétua ao que o homem considera o seu trabalho só pode ser sustentada negligenciando todas as outras coisas. E não é de forma alguma uma certeza que o trabalho de um homem seja a coisa mais importante. De uma perspectiva imparcial, parece evidente que muitos dos papéis mais sábios, virtuosos e proveitosos no teatro da vida são desempenhados gratuitamente, e são vistos, pelas pessoas em geral, como produtos de ócio." (1)

"Apologia do ócio" e "A conversa e os conversadores" são dois pequenos ensaios de Robert Louis Stevenson publicados em 1887 e 1882 na revista Cornhill Magazine e agora editados pela Antígona sob o título, Apologia do ócio.

Stevenson é um dos grandes  nomes da Literatura anglo-saxónica tendo deixado páginas muito significativas na leitura da alma humana, em duas obras marcantes, A ilha do Tesouro de 1883 e O médico e o monstro de 1886. Conhecido como um exímio contador de histórias e um infatigável viajante dá-nos em Apologia do ócio, um pequeno livro cheio de da vida mais luminosa que ainda é possível os seres humanos cultivarem.

No 1º ensaio Stevenson com aproximações a Thoreau explica-nos o valor cultural do ócio, um instrumento para cultivar uma arte de viver, onde a satisfação e a alegria possam enriquecer individualmente cada um, mas também a sociedade. A palavra ócio está impregnada de falsas atribuições, também porque no mundo dito civilizado apenas as actividades lucrativas devem merecer o entusiasmo dos vivos. Há na verdade uma religião social e política que consagra a sua fé a proclamar que os que não se deixam motivar / participar pelo espírito das moedas são gente de modesto valor humano. 

O ócio não é, como geralmente é tratado a pura negação de qualquer actividade. O ócio tem em si o gesto de uma concretização. Coisas que os princípios dogmáticos dos instalados no poder não pretendem aceitar. A indiferença do ócio pelas grandes e árduas tarefas do dinheiro e da conquista é a que fez Alexandre estranhar que Diogénes pela sua conquista de Roma. 

O ócio cultiva uma aprendizagem, a que se realiza nas margens de uma ribeira, junto a um muro de lilases ou sobre as copas das árvores, onde as cotovias abraçam o vento. Essa aprendizagem procura a maior lição de todas, "Paz, ou contentamento" (pág. 17). A aprendizagem assim feita dispensa conceitos e categorias e é por isso que é desprezada pelos grandes "sábios".

O mundo dedicado a uma actividade frenética, a acumulação retórica do saber ou o lucro interminável de vinténs produz pessoas com pouca consciência do seu próprio estado - estarem vivas e reduz-lhes a capacidade de exploração da curiosidade. Há um conjunto de coisas nobres que essa devoção quase exclusiva ao trabalho faz perder. A capacidade de estabelecer uma conversação agradável, a descoberta do mundo natural que nos envolve são caminhos para a construção do "teorema da viabilidade da vida" (pág. 27). 

A sensatez que um homem de ócio cultiva é de uma imensa generosidade, pois o que o mundo precisa não é de doutores a lutar por medalhas, mas pessoas felizes. Pessoas que iluminam espaços e que influenciam positivamente os outros. Apologia do ócio é um livro-pepita, um tesouro para salvar a vida, num mundo escravizado pelo dinheiro, pelo poder e dominado por uma aparente vitalidade.

(1) Robert Lous Stevenson. (2016). Apologia do ócio. Lisboa, Antígona, páginas 23 e 24.


Sem comentários:

Enviar um comentário