segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Leituras - Uma casa na escuridão

Uma casa na escuridão. Sim, é o que somos. Pequenas linhas de fogo a romper horizontes de rara claridade, a luz breve de um crepúsculo que se alonga sobre sombras de imbondeiros. Uma casa na escuridão. Sim.  Um local que abriga a memória das pedras tumulares, os rostos imateriais do que amamos um dia, a luz de uma noite branca, as formas inocentes da beleza, as manhãs a nascer dentro dos olhos.

Uma casa na escuridão. Sim, é o que somos. O rosto antigo, como a formulação de um pesadelo, a despedida da memória visual e o vazio da escuridão, pontos de luz que circulam em desordem, como uma casa velha por arrumar. Uma casa na escuridão. Sim.  A solidão dos outros que já partiram, a culpa escondida do frio em nós, no abandono do que não se sabe explicar e as palavras escritas como um desarranjo de lágrimas, humildade em páginas por desvendar. 

Uma casa na escuridão. Sim. A que faz reconhecer os nossos olhos, o espelho onde revemos o que somos interiormente, o lugar infinito que é "o amor nos nossos olhos." E a luz rodeando os nossos passos, que iluminava a sala tardia da infância a nascer, e do reconhecimento do teu nome, nos meus lábios e como os canteiros de lilases se iluminavam em ti. Os meus olhos que te viam e te abraçavam, a tua fisionomia de luz num corpo ondulado, moldado a formas de seda.

Uma casa na escuridão. Sim. E as tuas palavras a descrever o fogo que faz nascer os momentos, essa felicidade onde tudo se compreende e tudo se perde. Uma casa na escuridão. Sim. A que sabe e experimenta que em cada olhar se entende como a beleza  e o amor são mistérios proibidos, ainda que por momentos em palavras de silêncio se tenha construído qualquer eterno sentimento. E esse medo, quase terror de tudo perder. A dor que acabamos por conhecer e o medo como uma sombra que nos lembra o que se pode ausentar, como o céu que vai perdendo as nuvens a circular pelo infinito e todo o mundo se esquecesse de uma letra, nós. 

Uma casa na escuridão. Sim. E, no entanto, nessa casa na escuridão, nessa falência de possíveis, a certeza de que se o amor é impossível, ele é tudo o que existe, ele é "o sangue do sol dentro do sol." A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Uma casa na escuridão. Sim. Ela é o fogo onde nascemos, o tempo e o espaço onde fazemos nascer o amor, "o sentido de todas as palavras impossíveis."

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