sábado, 19 de novembro de 2016

Leituras - Arquipélago

"A benção do instante: de novo nos encontrarmos nos círculos da eternidade." (Schiller)

A Geografia e a História. A Antropologia, a memória, as relações humanas, as ideias, a sociedade, o espaço onde nascemos e como o vemos. A Literatura tem em si a possibilidade de construir os quadros de vida com que cada um interage ao nascer. Quadros muitas vezes incompreedidos, inseguros, onde as puras contradições e a solidão tornam difusos e criadores de universos nem sempre inteligíveis para o rosto, ou para a respiração do coração.

A Literatura é também uma viagem, um mapa de estradas, de geografias, onde a vida se define, onde a intimidade se revela sobre o mundo interior de cada um, os seus sonhos, as suas dores. A Literatura é assim uma forma de conhecimento. Conhecimento de estados humanos e dos territórios onde se desenvolvem. Conhecimento de uma geografia poética, do natural e das narrativas que a ciência dos números não revela.

Arquipélago de Joel Neto olha para o património natural e humano de uma ilha, a Terceira e dá-nos formas de vida de um conjunto de ilhas, nas suas representações culturais, a sua História, as pessoas e a sua afectividade. Arquipélago é a narrativa de uma viagem, a de José Artur, entre o Continente e a Terceira, a sua redescoberta como pessoa, o seu sentido humano à procura da sua integridade, mas também da própria Ilha, da sua mitologia, dos seus valores etnográficos e antropológicos. 

Arquipélago procura trazer na Literatura as ideias de alguns estudos antropológicos que associam a Terceira a vestígios materiais e geológicos encontrados na Europa do norte e às comunidades do megalitismo. Tenta subscrever na acção de uma das suas personagens, nos seus estudos a ideia de que a Atlantida teria tido existência no espaço ocupado pela ilha Terceira, nos Açores. Arquipélago revela-nos o imaginário espiritual de lugares, as suas memórias e a construção de uma autonomia que soube dar voz a essas palavras, "antes morrer livres do que em paz sujeitos". Narrativa de personagens, de uma esperança feliz que se reconstrói de uma paisagem e da ideia que um lugar, como uma casa, como um amor, pode orientar a conversação de que se fez a vida.

Narrativa iniciada em 1980, com o terramoto que se abateu sobre a Terceira e a reconstrução que é também das histórias pessoais e da redescoberta na paisagem da idealização da beleza, entre o presente e as historias ocultas dos mitos. Narrativa de um presente, da insularidade, dos lugares, dos seus nomes, da sua etimologia e das suas referências ao que se procura desvendar do passado.

Geografia à procura das formas humanas que lhe dão sentido, nas suas expressões de intimidade, de formulação de recomeços para quem sabe que "o ignorante, sim desconfia. O homem culto acredita." Arquipélago é a construção de uma esperança.  

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