segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Leituras - Viagens com o Charley

"Por outras palavras, não melhoro, ou, indo mais longe, quem foi vadio é sempre vadio. Receio que a doença seja incurável. Menciono este assunto, não para ensinar os outros, mas para me informar a mim mesmo". (1)

Viagens com o Charley é um livro de John Steinbeck, publicado em 1962, nas vésperas de ele receber o Prémio Nobel da Literatura e que recentemente foi editado pelos livros do Brasil. Trata-se de um livro delicioso, uma daquelas obras raras que consegue ser uma conversação com o leitor. Escrito com grande honestidade, o livro funciona como uma leitura de um País, a América no início dos anos sessenta e a revelação mais íntima de uma história de vida, de um conjunto de memórias, de um património cultural. Lendo-o, conhece-se melhor John Steinbeck, a sua personalidade, as suas opções de vida e os seus valores humanos.

A América de Steinbeck, aquela que ele nos dá é ainda uma América que não conhece ainda as contradições que o final da década acentuará, mas há já uma visibilidade às transformações de uma sociedade em mudança. O valor do livro passa por essa capacidade de revelação da América, mas também pela perceção da mudança. Com grandes descrições do natural, das paisagens de um conjunto alargado de estados, Viagens com o Charley é um convite para conhecer um escritor que faz da terra, das condições de vida e do património da América a matéria-prima da sua escrita.

Com Steinbeck e Viagens com o Charley compreendemos  como o particular pode ter uma dimensão universal. A escrita do autor nascido em Salinas tem em Viagens com o Charley um momento mais, de grande valor literário e cultural, pela descoberta que ele nos revela de uma América e para a compreensão dos seus valores mais característicos, no início de uma década, que em muitos sentidos mudaria o mundo.

Escrito numa linguagem dominada pelo humor e por algum ceticismo, Viagens com o Charley acaba sendo uma reflexão crítica sobre a América, a sua história, as suas paisagens humanas. Nele vemos já a discussão do que tem feito o mundo caminhar por linhas preocupantes de abandono do seu património natural. Viagens com o Charley em muitos aspetos é um alerta profético, uma campainha a tocar sobre a ideia que a mudança em si nem sempre serve o homem e a sua felicidade.

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