domingo, 3 de julho de 2016

As muralhas do jornalismo...

"É possível ser-se isto, ou não ser nada disto", verso simbólico de Fernando Pessoa que revela a universalidade de um pensamento que o País provinciano jamais entendeu, que o Portugal futuro, o de hoje nunca saberá compreender. Pessoa pertenceu a uma geração profundamente transformadora do modo de apreender o mundo, dando-lhe conceitos de abordagem de clara dimensão de modernidade. 

O 1º modernismo vivido em Portugal nos primeiros anos do século XX e protagonizado por Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, José de Almada Negreiros ou Amadeo de Souza-Cardoso produziram a construção de um conjunto de vanguardas, de que a revista Orpheu deu conta. O País não entendeu. 

O País nunca foi nada de relevante, estruturalmente construído porque todas as vozes de dimensão espiritual foram sempre afastadas, ou ignoradas. De Sá de Miranda a Miguel Torga, de Agostinho da Silva a Pessoa, de Eça a Bento de Jesus Caraça, o poder apenas se viu  a si próprio, essa irrelevante forma de domínio sobre a sociedade. Os media e em destaque as televisões que funcionam como agências de comunicação de interesses partidários e ideológicos particulares dão hoje corpo a produtos que são só ideologia e não são o que deveriam ser, a informação esclarecida e discutida par melhor conhecimento dos cidadãos.

As televisões privadas são o expoente de um produto que funciona como instrumento de poder. O Srº Sérgio Figueiredo, Director de Informação da TVI escreveu em 07.06.16 um artigo "O Orpheu não morreu", onde justamente revela a ignorância perfeita do que foi o Orpheu e utiliza palavras vagas para as conclusões que quis enunciar sobre o congresso do PS. Desgostado com a incapacidade da direita se reocupar nos sistema político, pensa que a ausência de crítica é a formulação de um País "domado, desaparecido", como se não tenha sido essa a vocação da direita, na c´pia sem inspiração do neo-liberalismo já visto em Regan ou Tatcher. O problema do Sr~Sérgio Figueiredo é não analisar, como sempre fazem a quase totalidade dos comentadores, os fundamentos de bloqueio da sociedade portuguesa, não formulando as consequências das normas jurídicas que os tecnocratas impõem ao sabor da indústria alemã.

O srº comentador que orienta a informação desse canal privado está tão preocupado com a viabilidade civilizacional do País que lamenta que quem governa tenha feito esquecer o activo certamente brilhante do senhor irrevogável. É certamente por isso que já lhe deu voz na sua televisão, onde alguns imaginam que o antigo jornalista fará comentários que não sejam a reprodução do seu clube de interesses. Não é difícil compreender que o Srº Sérgio Figueiredo e a TVI pretendem "vender" ao País daqui a uma década outro presidente da república. Talvez se enganem, pois a transparência ideológica do srº Portas é de uma evidência que faz ver até os cegos de espírito. É a construção política dos media. Está no seu direito, mas percebe-se o truque, causa de tanta mediocridade no sistema político.

Não valia a pena fazer a utilização da história e da literatura para demonstrar o que pensa da esquerda e da ausência momentânea da direita. Tudo o que é e foi poder em Portugal dese 1974 se merecem por falta evidente de dignidade da expressão política. Nada em Pessoa foi feito, como o artigo escreve, como marketing de venda, foi  a construção de um processo de transformação cultural e o actual governo e nenhum governo será alguma vez uma sombra do valor cultural do que foi o Orpheu. A utilização da História para fins de análise de causalidade quotidiana e convicção políticas são antigas. O artigo já citado revela uma completa ausência do significado do que foi o Orpheu e vende Fernando Pessoa como um comerciante. 

Não sei se as ideias do actual governo poderão triunfar. Mas elas pelo menos têm a decência de questionar o real e não ver o inevitável poder dos burocratas como a essência da civilização. O que importa é que é mais um exemplo de mau jornalismo, um jornalismo que não comenta, que não informa, que é já um produto acabado de um ponto de vista que desconhece a realidade cultural de um movimento essencial na História do século XX. É mais um exemplo dos nobres comentadores que nada comentam, que declamam a oratória de ideologias sem rosto humano, porque nem sequer compreendem o sentido, neste caso da universalidade do Orpheu. A todos eles, como dizia Pessoa, "um desprezo pelos aristocratas de tanga de ouro".

Imagem - Copyright: Keisuke Blackcoffee Ikeda

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