Em maio de 2011, a poucas semanas
das últimas eleições legislativas, Álvaro Santos Pereira procedeu no blogue
Desmitos a uma avaliação do desempenho do anterior governo PS à luz de oito
critérios – oito indicadores económicos, analisados em sucessão a fim de
proporcionar uma perspectiva abrangente da situação da economia portuguesa. Santos
Pereira concluiu essa análise ao legado do governo PS afirmando que estávamos
perante, “de longe, os piores indicadores económicos desde 1892” e apelando a
que os portugueses não esquecessem esses factos no dia das eleições. Poucas
semanas depois, tomava posse um novo governo de coligação PSD-CDS, sustentado
por uma maioria absoluta parlamentar. O Ministro da Economia desse governo era
o próprio Álvaro Santos Pereira, certamente determinado a inverter a
catastrófica situação que tão exaustivamente diagnosticara.
Quatro anos depois,
é da mais elementar justiça que avaliemos os resultados alcançados por este
governo à luz dos indicadores que o seu próprio Ministro da Economia original
considerou mais apropriados para aferir o desempenho governativo. Quais eram os
desequilíbrios então identificados? E qual o desempenho do governo PSD-CDS à
luz desses mesmos critérios? Quando actualizamos os gráficos de Santos Pereira,
trazendo-os até ao presente, verificamos que os resultados são esclarecedores.
1) PIB POTENCIAL
O primeiro indicador então utilizado por Álvaro Santos
Pereira foi o PIB potencial, que em 2010 estaria “a crescer 0% ao ano”. A taxa
de crescimento deste indicador constitui, como é sabido, uma estimativa da
forma como evolui o potencial da economia. Segundo os dados da AMECO utilizados
como fonte por Santos Pereira, em 2010 essa taxa era na verdade ligeiramente
positiva: 0,3%, o que é claramente fraco. Mas daí para cá, os valores foram
sempre piores e sempre negativos: -0,4% em 2011, -1,0% em 2012, -1,0% em 2013 e
-0,9% em 2014. Em 2015, projecta-se que recupere ligeiramente, para cerca de
-0,4%: uma taxa ainda assim negativa e inferior em 0,7% ao registado quando este
governo tomou posse.
2) DÍVIDA PÚBLICA
Neste ponto, Santos Pereira referia-se em 2011 a uma “dívida
pública recorde” e, no gráfico elaborado com base nos dados da AMECO, comparava
os valores da dívida pública em 2004 (62%) com o que se registava em 2008
(71,7%) e 2010 (96,2%). Ora, prolongando a comparação para os anos da
governação PSD-CDS, verificamos que o recorde não cessou de ser batido: em
2014, a dívida pública representava já 130,2% do PIB.
3) TAXA DE DESEMPREGO
Neste ponto, Álvaro Santos
Pereira comparava a taxa de desemprego em 2004 (6,6%) com o valor registado em
2011 (12,4%). Para continuarmos a utilizar os mesmos indicadores e critérios
adoptados nesssa ocasião, deixemos de lado desta vez a conhecida insuficiência
da taxa de desemprego (nomeadamente, sem olhar ao volume de emprego total) para
analisar devidamente a situação do mercado de trabalho. Tendo então em conta a
taxa de desemprego estimada em Julho de 2015, verificamos que se registou um
ligeiro decréscimo face ao valor de partida, de 12,4% para 12,1%. Quando o
ex-Ministro da Economia saiu do governo, em Julho de 2013, o valor era de
16,6%.
4) DÍVIDA EXTERNA TOTAL (BRUTA)
Nesta sua análise em 2011, o
então futuro Ministro da Economia assinalava que a dívida externa bruta da
economia nacional, que fora de 167,9% do PIB em 2005, passara para 230% do PIB
em 2011, “a maior dívida externa desde 1892”. Para sermos precisos, tal como
mostram os dados do Banco de Portugal, a dívida externa bruta era de 218,5%
quando o governo actual tomou posse, no segundo trimestre de 2011. Quatro anos
depois, aumentou 14 pontos percentuais – é agora de 232,3% do PIB.
5) DÍVIDA EXTERNA LÍQUIDA
Em matéria de dívida externa
líquida, que na verdade é a que mais interessa, o valor de 110% do PIB apontado
por Santos Pereira como sendo registado em 2011 era incorrecto, como pode ser
comprovado aqui. O valor efectivamente registado no segundo trimestre de 2011,
tal como indicado pelo Banco de Portugal, era na verdade de 82,4% - o que nem
por isso seria menos preocupante, tendo em conta o enorme aumento registado
desde o início do século. Mas nos quatro anos seguintes, o endividamento
externo líquido acentuou-se ainda mais: no segundo trimestre de 2015, representava
104,7% do PIB português.
6) DÉFICE EXTERNO
É o principal feito que pode ser
reivindicado por este governo. Mercê da contracção das importações (em
resultado da baixa do preço do petróleo e da quebra dos rendimentos) e do
aumento das exportações (resultante da depreciação externa do Euro e do
redireccionamento com sucesso de muitas empresas para os mercados externos), o
saldo externo medido através da balança corrente, que era de -10,1% em 2010,
foi de 0,6% em 2014.
7) EMIGRAÇÃO
Em 2011, Santos Pereira referia-se
aos “mais de 100 mil portugueses que emigraram do país em busca de
oportunidades de emprego” em 2007 e 2008 como um dos sinais claros de fracasso
da governação anterior. Segundo o Relatório Estatístico da Emigração de 2014,
os números estimados de saídas registados em 2011, 2012 e 2013 (último ano
disponível) foram, respectivamente, de 80.000, 95.000 e 110.000. Porém, o mesmo
relatório corrige em baixa as estimativas de Santos Pereira para 2007 (90.000)
e 2008 (80.000).
8) CONVERGÊNCIA FACE À EUROPA
O último indicador utilizado há
quatro anos por aquele que viria a ser o Ministro da Economia era a relação
entre o PIB português e o PIB dos países europeus mais avançados, a fim de
assinalar a tendência persistente de divergência. Santos Pereira tinha razão na
denúncia: em 2010, o PIB per capita português correspondia a 59.9% do da Zona
Euro como um todo, ao passo que em 2001 fora de 61.0%. O problema é que a
divergência continuou desde então: este indicador continuou a cair durante a
legislatura que agora finda, encontrando-se nos 56,8% em 2014.
CONCLUSÃO: UM GOVERNO QUE SE
CHUMBA A SI PRÓPRIO
Em 2011, Álvaro Santos Pereira
recorreu a oito indicadores económicos para proporcionar uma imagem sintética
da governação socialista. Concluiu então que esse governo deixava “um legado de
tal forma terrível que vai marcar inexoravelmente as nossas vidas e as dos
nossos filhos”. Quatro anos depois, prolongando a análise com recurso aos
mesmos indicadores, verificamos que um está hoje em níveis idênticos aos de há
quatro anos (taxa de desemprego), um melhorou significativamente (saldo da
balança corrente) e seis pioraram consideravelmente (crescimento do PIB potencial,
dívida pública, dívida externa bruta, dívida externa líquida, emigração forçada
pelas circunstâncias económicas e divergência face à Europa). No fundo, o
governo melhorou o saldo externo e piorou tudo o resto. E nem sequer estamos a
trazer para a análise os níveis de pobreza, de desigualdade, do salário médio,
da cobertura dos apoios sociais ou do emprego total. Por outras palavras, o
governo PSD-CDS, nesta auto-avaliação legitimada por antecipação, chumba-se a
si próprio sem apelo nem agravo. O “triste legado” então exaustivamente
identificado é hoje muito mais triste e ainda mais pesado. Os “piores
indicadores económicos desde 1892” são hoje, quase sem excepção, muito piores. Espera-se,
para parafrasear uma última vez Álvaro Santos Pereira, que quando os eleitores
forem votar no dia 4 de Outubro não se esqueçam dos verdadeiros factos desta
governação.
Alexandre Abreu, "O governo chumba-se a si próprio". Jornal Expresso. Setembro. 2015.
Sem comentários:
Enviar um comentário