sábado, 26 de setembro de 2015

Na memória de Eliot

T. S. Eliot é um dos grandes poetas do século XX. Nascido nos Estados Unidos em finais do século XIX viria a viver grande parte da sua vida em Inglaterra. Considerava a sua poesia uma mistura de paisagens, embora tivesse escrito que a imaginação, as fontes tinham vindo com ela da América. 

Eliot integra o movimento modernista do início do século XX e recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1948. Eliot retratou em poesia o acaso espiritual das sociedades contemporâneas e fê-lo quando ainda subsistia o encanto fácil da época vitoriana e dos seus sucessos aristocráticos. 

A canção de amor de J. Alfred Prufrock publicada nos anos vinte retrata tal como mais tarde, Os Homens Ocos e A terra desolada a decadência de um mundo de aristocracia que repete os dias como uma rotina tépida e com uma ausente vontade de fazer, de pensar, de ousar. Um conformismo que não questiona o sentido da existência, que testemunha o sangue dos homens, mas é incapaz de dar um passo para o significado da vida. Em A  canção de amor de J. Alfred Prufrock alimenta-se um desamor aos outros, fruto dessa lassidão por si próprio, o egocentrismo mais puro, que em Os homens ocos acrescentaria de significado pelo que foi a História do Século.

Nós somos os homens ocos / Os homens empalhados / Uns nos outros amparados / O elmo cheio de nada (...) / Forma sem forma, sombra sem cor / força paralisada, gesto sem vigor", de Os homens ocos é um prolongamento de A canção de amor de j. Alfred Prufrock e acrescenta-lhe o niilismo do século. O mundo dos homens sem alma, sem energia de espírito, sem interior, sem conceitos de uma ideia espiritual da existência, para se declamarem os visionários de assembleias ideológicas, onde o puro respirar foi um excesso, uma vontade sombria de multidões sem acesso à sua humanidade.

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites não dormidas em hotéis baratos, (...)
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão . . .
Oh, não perguntes: "Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo. (...)

E na verdade tempo haverá
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.
E na verdade tempo haverá
Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?"
Tempo para voltar e descer os degraus,
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!")
- Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas! ")
- Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.
Pois já conheci a todos, a todos conheci
- Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherzinhas de café;
Percebo vozes que morrem com uma agonia de outono
Sob a música de um quarto longínquo.
Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci
- Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase; (...)

Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde assistente, o que tudo fará
Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso;
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato, quase ridículo
Quase o Idiota, às vezes.
Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.
Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.
Não creio que um dia elas cantem para mim.
Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.
Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinhas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.

T. S. Eliot, " A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock". Selected Poems. Harvest Paperback Editions. Orlando: 1967.

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