domingo, 23 de agosto de 2015

Eleições Legislativas - 2015 (7) - Ler para compreender (VI)

No reino da austeridade nunca há cortes cegos. Os seus ideólogos têm sempre uma retórica de justificação preparada que serve acima de tudo para dar uma aparência técnica a decisões que não são senão escolhas políticas. Despedir não é despedir, é racionalizar e isso é a ferramenta de um domínio ideológico sobre as pessoas. A elite económica de Portugal viveu e vive claramente a cima das nossas possibilidades. Capturou o Estado e faz dele o alicerce da sua acumulação de riqueza, descapitalizando-o para o exercício das funções que uma sociedade frágil e pobre exige. Zomba da lei e do interesse público. E, no fim, ainda tem o desplante de fazer para a sociedade que os alimenta a apologia da miséria. (Págs. 70, 71 e 76).

Linhas Vermelhas é um dos livros mais interessantes saídos nos últimos meses sobre a realidade económica, social e política do País. Linhas Vermelhas no sentido de um farol de mínimo de decência e dignidade que não deve ser transposto. O livro do professor de Coimbra na área dos estudos sociais organiza uma reflexão sobre algo essencial e que os media costumam ignorar, para benefício do governo, a linguagem e o que ela esconde, e o âmago de uma construção ideológica que parte do discurso da crise para implementar o seu modelo neoliberal contra as pessoas e de favorecimento dos grupos monopolistas e agentes políticos que os servem. O livro organiza-se em sete capítulos, a saber:
  • Cap. 1 - De como aqui chegar ( A Dívida como principal referência da luta política e a austeridade como ferramenta ideológica e política);
  • Cap. 2 -Quem é o interesse nacional (Do discurso oficial do empobrecimento, da diminuição dos custos do trabalho como construção ideológica);
  • Cap. 3 - A crise-como-política (A dupla centralidade do discurso da dívida, como reconfiguração de Portugal e a sua periferização no campo europeu e o dispositivo de redução da resistência social e a alteração preversa dos contratos de trabalho); 
  • Cap. 4 - A governação europeia de Portugal (O modelo de apropriação por governos de direita na formulação ou nas práticas e a sua instrumentação pela União Europeia para a construção de um domínio político e esvaziamento da cidadania);
  • Cap. 5 - O mundo inteiro (Os povos esquecidos perante uma ideia de miséria cultural e social - o Eurocentrismo);
  • Cap. 6 - Em sentido contrário (Conhecer a realidade, aprender a sua formulação para romper e procurar uma nova ética para uma nova óptica, ou a necessidade de um desobediência organizada e solidária contra uma Europa, em nome da defesa dos que não têm voz, contra a insustentável pobreza);
  • Cap. 7 - Conta-me como  será (Do País pobre, do esvaziamento político da democracia e da anulação das pessoas como elementos culturais e humanos).
Linhas Vermelhas desmonta com eficácia a incompatibilidade de um discurso político que ilude as pessoas ao assumir coerência entre mercados e democracia. É esta que se desmonora com a destruição da dimensão económica e que conduz a um enigmático autoritarismo social. Linhas Vermelhas no sentido mais racional conduz o discurso necessário para que as esquerdas se repensem e sejam um espaço de discussão para a ideia essencial de reestruturar a dívida. 

O País só poderá ser uma democracia real se essas alternativas tiverem alguma expressão. E como vemos, a ausência de discurso de fractura com o que empobreceu os cidadãos tomado pelo PS sem discussão do que é decisivo para as pessoas revela que o caminho é outro. O de pensar a decência e combater uma narrativa ideológica de desprezo pelos valores humanos e a vida colectiva que tenha sentido para todos. Linhas Vermelhas é um contributo para pensar as alternativas e fazer com que as eleições sejam mais que alternância sem alteração substantiva de nada.

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