sexta-feira, 3 de julho de 2015

A fábrica de uma ilusão - A União Europeia

"Sentir muito pelos outros e pouco por nós; refrear o nosso egoísmo  e exercer os nossos afectos benevolentes, constituem a perfeição da natureza humana". (Adam Smith)

O presidente Roosevelt, figura essencial na história americana do século XX tinha na sua secretária uma frase, uma epígrafe reveladora do seu valor moral, "The Buck Stops Here". Frase de uma dimensão cívica, reveladora de uma ideia institucional do Estado, a de resolver as questões que não tinham fácil resolução. Seria impossível ouvir esta frase nos salões de papel da União Europeia, ou de qualquer gabinete dos burocratas que alimentam a tecnocracia financeira de uma minoria. Pelo egoísmo dos privilégios, pelo poder de redes privadas de dinheiro e pela imoralidade cívica dos seus dirigentes. Neste processo alguns idealistas imaginaram que um novo fascismo social se deve unicamente aos últimos actores. A História, ela como sempre, mostra-nos que esse é apenas a primeira ilusão.

A Europa como realidade política não existe. Alguns imaginaram que ela poderia ser uma ideia de futuro, capaz de dotar a Europa de uma centralidade no mundo global e de desempenhar um papel essencial na política mundial. Durante décadas acreditaram muitos, que a Democracia e vamos acreditar que o Direito, como um dos seus fundamentos implicava a participação dos cidadãos numa comunidade política. Neste sentido a Europa política não existe. Dominada politicamente a partir do pós-guerra pela França e apoiada financeiramente pela Alemanha, é hoje só uma construção alemã.  A Europa não tem respostas para o mundo globalizado em que vivemos. Afasta os cidadãos, discute pormenores, os do orçamento dominados pela Alemanha e não faz qualquer esforço pela coesão social.

A sociedade aberta que o pós-guerra desenvolveu em muitos países europeus, incluindo a Alemanha que dela beneficiou tinha uma ideia, alimentada numa ilusão. Uma bela ilusão, mas ainda assim uma ilusão. Todos sabemos que é na ilusão que se forja o alimento dos fantasmas, não na confiança colectiva, suporte de uma sociedade regulada. Das ilusões às mais funestas utopias do medo, o caminho é curto. A União Europeia não é uma realidade política nem cultural, é uma utopia de burocratas construída em equívocos, desde os tempos em que a França e a Alemanha fingiam, uns que tinham o poder político e os outros o poder económico. 

A História na sua terrível clarividência revelaria os contornos deste equívoco. A Unificação da Alemanha em 1990 que muitos viram como um grito de liberdade, foi o anúncio intemporal da hegemonia de um Império. Cedo se percebeu que essa construção de liberdade que alguns identificaram na União Europeia era, é um instrumento de hegemonia financeira e política da Alemanha. Na verdade, a União Europeia não nasceu por idealismos de pós-guerra, mas de um interesse geopolítico da França e da Alemanha. 

A direita, a neo-liberal que se alimenta de frases feitas, a do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia e de todos os governos do mundo, "tijolos que se julgam casas", vivem na abstracção de uma ideia de Europa sem valorização cultural, nem reconhecimento da dimensão humana. Não há solidariedade e tudo se justifica em nome de um ideal de feitiçaria. Foi nessa desvinculação que nasceu o nazismo e o extraordinário é que seja a Europa, pelos seus burocratas a redimensionar uma sociedade que pelos seus contornos faz a emersão num novo tipo de fascismo, social e económico. 

Uma leitura e um conhecimento da História do século XX após a 2ª guerra mundial confirma-nos que os contactos e acordos estabelecidos entre Jean Monnet e Robert Schuman procuraram enquadrar na década de cinquenta os crescentes interesses do fabrico do aço pela Alemanha. Prestígio político e poder económico. Foram esses os fundamentos da ilusão. Visão de sociedade participada e colaborativa está além dos ingénuos. Apenas para os que com a inteligência dos idiotas confundem memória com ideologia. 

Mendés France, primeiro-ministro francês em 1957, dizia-nos nesse ano, " a abdicação de uma democracia pode ser conseguida de duas formas, ou pelo recuso a uma ditadura interna concentrando todos os poderes  num único homem providencial, ou por delegação desses poderes num autoridade externa, a qual, em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, que em nome de uma economia saudável facilmente irá impor uma política orçamental, social (e) finalmente uma política..." (1)

Os contos de encantar que muitos diletantes comentadores aclamados em assembleias de políticos sem encanto, nem verdade fazem esquecer essa utopia nascida de ilusões. Uma utopia de países tão diversos só pode fazer nascer uma fantasia de opressão e domínio. A mudança de centralidade após a unificação da Alemanha explica a nascente ditadura da União Europeia que alguns ainda escondem em palavras ausentes de alma e veiculadas por instituições e pessoas sem coluna vertebral.

(1) Journal Officiel de la Repúblique Française, nº 3, 19 de Janeiro de 1957, p. 159-166.

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