terça-feira, 12 de maio de 2015

Um governo de medo e mentira (VII) - Os tribunos

"A perda dos valores espirituais acarreta o desaparecimento não só da moral como também da cultura na acepção original da palavra: cultura animi ou cultura da alma". (1)

O sucesso do governo actual no curto prazo, pois a longo prazo será uma perda irreparável, se ainda podemos acreditar que um país é uma comunidade de pessoas, interessadas no bem comum, baseia-se em três pilares, todos eles, devedores de uma ideia de sociedade sem princípios. 

A culpa, estratégia antiga, que os mais negros regimes do século XX praticaram, como se viver num espaço social fosse um crime, como se os que são jovens tivessem de pagar por ser só jovens sem experiência, os velhos acomodados a pensões irreais, como uma maldade para um esclarecido programa.

A amnésia das instituições e a partidirização dos órgãos de soberania, como o actual presidente da república o tem conduzido, às suas máximas possibilidades, tornou a sociedade adormecida e sem voz para a sua própria memória quotidiana. Amnésia a que junta instituições como a Igreja Católica Portuguesa e o seu bispo maior, esquecido em rituais sem palavras para as pessoas. 

Os tribunos, comentadores dos media são a ponta final mais visível deste adormecimento. Existem muitos e nobres exemplos, do Económico ao Observador é só escolher. Nasceram economistas em cada esquina, as reais trombetas do poder, dos que decidiram pensando-se grandes analistas, abandonaram tudo por uma sociedade de massas envolvida por uma cultura Kish. São o alimento para uma sociedade do poder do mais forte, de uma política cega, por uma identidade das pessoas, em clientes, espectadores, qualquer coisa indefinida. Vale a pena pensar no  exemplo dado pelo mais ilustre dos comentadores, justamente o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

É tratado como professor, diz-se da academia, dessa ousadia do conhecimento que se revê em valores culturais, mas o seu programa conduz-nos sempre para essa domínio mínimo de bem, que é a política. O comentador é famoso por comentar a realidade com bonomia, não desmontando o que fazem outros países, de uma outra intervenção cívica, que é a de desmontar os mecanismos do poder, no quotidiano. Nas suas análises a ideologia tudo explica, como se as pessoas e os movimentos não tivessem outros processos, outras formas, outras contradições.

As graçolas com que diverte um país irreal leva-o para o país da amnésia que os órgãos de soberania actuais cultivam. Abundam os exemplos em que a esperteza do primeiro ministro em vez de serem analisadas pelo que são na construção de uma sociedade sem exemplos de cidadania, são vistos como pontos perdidos em eleições. O discurso como comentador é uma cristalização de pequenos episódios rudimentares, apenas explicados por ideologias de um quintal sem assombro. Temos de regressar a Eça, a política continua sendo neste País, apenas esta grandeza de alma. Marcelo Rebelo de Sousa contribui de forma significativa para esse grande gesto estrutural, de não inscrição dos mecanismos do poder nos media. Lamentável.

Sabemos, pois até os gnomos da floresta o sabem, que ele será candidato a Presidente da República. O professor acha-se numa torre de marfim e pode comentar os seus futuros colegas de aventura política. Que valor ético transmite com este exemplo? Basta ser televisivo para se ser candidato. É a oportunidade e os meios que fazem as pessoas e os seus gestos de modernidade? De Santana Lopes, a Sócrates quantos lamentáveis casos viveram deste ocaso de frontalidade, apenas na gestão de feixes ocasionais de acesso ao poder?

(1) Rob Riemen. Nobreza de Espírito. Bizâncio. 2012.
Imagem, © – Martin Cekada

Sem comentários:

Enviar um comentário