quarta-feira, 8 de abril de 2015

Leituras - O coração é um conquistador solitário

"Aproximou-se ainda mais do mudo e baixou a voz, num sussurro embriagado: - E porque será? Porque é que persiste este milagre da ignorância? Por causa de uma única coisa: conspiração. Uma conspiração pérfida e imensa. O obscurantismo."

Carson McCullers escreveu nos anos quarenta um livro que retrata todo o desapontamento, toda a angústia de universos inteiros que choram e lutam por uma vida digna. Construído sob a atmosfera social e económica da América sulista dos primeiros anos do século XX, O coração é um conquistador solitário é um libelo sobre as injustiças sociais, sobre uma forma sem brilho, que demasiadas vezes pessoas vivem, nesse desconforto que são vidas sem futuro.

Um conjunto de personagens desfilam desejos, esforços, caminhos sem futuro, numa ideia de indefinição das suas vidas, de algo concretizável, a que não chegam, embora tudo dêem para serem amados e compreendidos, tentando o emprego, o sonho, a amizade, a integração num meio, a sociabilidade que dê sentido às suas vidas.

Singer e Antonopoulos, dois surdos-mudos que se tentam organizar numa forma de vida, do mais simples possível, da coerência de algum sentido às suas existências, da amizade capaz de construir um quotidiano de significado. A comunidade, os outros, onde todos os gestos não fazem sentido, quando não partilhamos um sentido de pertença. Biff, Jake Blount e o médico negro, Drº Copeland, a luta por uma vida acima das dificuldades da sobrevivência, os gestos antigos por uma luta de direitos e de dignidade humana. 

Mick, o sonho interior, a imaginação dentro da cabeça, a que supera todo o real adverso e insensato. Willie e Portia, entre os caminhos de uma sociedade sem justiça, a alienação moral da comunidade negra e a família ainda e o que pode ser neste mundo de fome e dívidas contínuas.  O coração é um conquistador solitário é um livro sobre a natureza humana, os bloqueios do obscurantismo que se propaga como uma doença. A doença da civilização, onde ficamos sozinhos em cada respiração, em cada sonho.

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