quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Leituras - Um dia esta dor vai ser útil

"Sê paciente e resistente; um dia, esta dor ser-te-á-util"
 (Ovídeo)

"Quando se deseja com todo o coração que alguém nos ame, nasce uma loucura tal que deixa as árvores, as águas e a terra desprovidas de sentido. Nada vive excepto nós, excepto aquele longo, profundo e amargo desejo. É isto que toda a gente sente, desde que nasce até que morre".

Denton Welch, Diário, 8 de Maio de 1944, 11h 15 da noite

"Quem me dera que todo o dia fosse como o pequeno-almoço, quando as pessoas ainda estão ligadas aos seus sonhos, concentradas no interior e sem estarem ainda prontas para se relacionarem com o mundo que as rodeia. Apercebi-me de que era assim que eu era durante todo o dia; para mim, ao contrário de outras pessoas, não há um momento a seguir a uma chávena de café, a um duche ou a qualquer outra coisa, no qual me sinta subitamente vivo e um pequeno-almoço, ia dar-me bem." (pag. 116)

"A maior parte das pessoas acha que as coisas não são reais a não ser que sejam verbalizadas, que é a pronunciação de alguma coisa, e não o pensamento, que a legitima. Acho que deve ser por isso que as pessoas querem sempre que as outras digam que as amam. Eu penso exactamente o oposto - que os pensamentos são mais reais quando são apenas pensados, que exprimi-los os distorce e os dilui, que é melhor para eles ficarem no compartimento escuro e climatizado da nossa mente, que se forem libertados para o ar e para a luz serão afectados de um modo que os altera, como as películas de filme expostos acidentalmente." (pág. 184)

Os jornais do mundo anglo-saxónico deram-lhe a adjectivação "Um dos melhores romances de sempre" (o que sendo  um exagero) revela de algum modo as questões que o livro do americano Peter Cameron. A ideia base do livro é que existem pessoas que têm pelo seu nascimento e crescimento, pelas suas descobertas, muitas dúvidas, de como se integrar o Mundo. E a decisiva questão se por aqui se coloca, é se demos estar o mais silenciosamente possível neste universo social, feito de normas sociais e de comportamentos pouco éticos. É uma viagem que fazemos com James, pois também nos vemos nós nessa posição, sobretudo, os que por diferentes motivos consideram o Mundo um lugar pouco recomendável.

É um livro também sobre as famílias americanas no pós 11 de Setembro, uma certa disfunção nas emoções, a preocupação pela imagem, a cidade como devoradora dos sonhos iniciais de tantas pessoas que a viram como a construção do seu universo mais sentido. É um livro que nos remete para a dimensão do que pensamos e das oportunidades que temos para as fazer ouvir, num mundo individual, sempre mais verdadeiro que as maiorias de circunstância. Um dia esta dor vai ser útil é uma narrativa sensível e de inteligência sobre as contradições de uma sociedade de massas. É em definitivo um grande livro para nos interrogarmos e darmos alicerces a esse caminho, por onde a solidão nos faz questionar a nossa existência.

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