A questão que se segue pode ter um tratamento jurídico, mas não é esse
tratamento que me interessa. Pode ter um tratamento de ciência política,
mas não é esse tratamento académico que me interessa. O único tratamento que me interessa é um tratamento que se pode chamar
"civilizacional", cultural no sentido lato, político no sentido
restrito, de escolha, visto que prefiro viver numa sociedade assente em
contratos, confiança e boa-fé, do que numa selvajaria em que impera a
lei do mais forte.
Este é portanto um artigo muito conservador, contra o "revolucionarismo"
desleixado e impensado do Governo e do poder actual, que semeia
tempestades que deviam repugnar qualquer cidadão que prefere viver numa
democracia onde impera a lei e o direito e onde não há "estados de
excepção" unilateralmente proclamados pelo poder executivo contra o
poder judicial.
A questão tem a ver com a "confiança" e tem sido discutida à volta da
decisão do Tribunal Constitucional. Chamam-lhe "o princípio da
confiança", e os juristas diriam que está implícita na noção latina de
que pacta sunt servanda, os contratos são para cumprir, a que eu
acrescentaria a noção de que essa é também uma base do funcionamento de
uma sociedade democrática e de uma economia de mercado.
A ideia de que os pactos devem ser cumpridos, ou seja que a lei os deve
proteger, foi um dos grandes adquiridos na Holanda, que permitiu o
aparecimento dessa grande invenção que foi a "companhia", ou seja, o
capitalismo moderno. A tempestade originada pela decisão do Tribunal Constitucional equipara a
"confiança" a um "direito adquirido", uma expressão que ganhou hoje, na
linguagem do poder, a forma de um qualquer vilipêndio.
Segundo essa
linguagem, repetida por muito pensamento débil na comunicação social, os
"direitos adquiridos" não são mais do que privilégios inaceitáveis, que
põem em causa a "equidade". Se parassem para pensar veriam que não
há equidade nenhuma, e meditariam um pouco sobre por que razão se fala
de equidade e não de igualdade.
José Pacheco Pereira, "Contratos para cumprir e contratos para violar" - 1ª parte
in Público. 07.09.2013
Imagem - copyright - Richard Byres, (un) lucky day. (Via http://1x.com/)
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