quinta-feira, 10 de julho de 2014

Na memória de um Imperador - Libertas, Humanitas, Felicitas

"Não existindo já os deuses e não existindo ainda Cristo, houve, de Cícero a Marco Aurélio, um momento único em que só existiu o homem (1).

O tempo parece já tão afastado, está já muito distante de nós e respiramo-lo em formas longínquas, quase desconhecidas no seu sentido mais quotidiano. Fazemos dessa memória uma reconstrução, construída de imagens, das que fomos dsesenhando, recorrendo às formas materiais que o Alto Império deixou de uma civilização grandiosa e enigmática.

É, na verdade um tempo distante, que ousou pensar o real, com o cuidado da análise filosófica, mas com a ambição de construir um sentido mais prático da sociedade. Herdeiros da cultura grega, menos dados a riscos, por grandes ideais, os Romanos legaram uma civilização material riquíssima e influenciaram áreas essenciais de sociedades futuras. O Direito e a Língua foram as mais visíveis, dessa eternidade de uma Roma dominadora. Muitos consideraram esse regresso a uma arqueologia quase sem tempo, uma perda de oportunidades. No entanto, os dias dizem-nos que o seu património é insubstituível pela ousadia com que criaram o seu património civilizacional.

Uma das figuras mais interessantes do Império, nasceu a 24 de Janeiro do distante ano de 76 e ficou apenas conhecido, como imperador Adriano. Nasceu no território que hoje corresponde à Espanha, era descendente de colonos romanos e era primo do imperador Trajano, que viu nele quase um filho. Desempenhou vários cargos, como governador da Síria, foi tribuno de diversas legiões e comandaria a Minervina, e em 117 sucederia ao seu primo no governo do Império.

A importância de Adriano releva da noção que tinha do Império, um espaço humano que devia preocupar-se mais com o sentido da vida dos homens que o habitavam e não ser só um espaço civilizacional dominador de povos e culturas. Aprendeu com os Gregos, a dimensão do homem e tentou estater as diferenças sociais extremas. Renunciou às contribuições das cidades para o Imperador e procurou dinamizar o cultivo de terras. Ensaiou dar mais dignidade ao papel da mulher no casamento e em certas circunstâncias procurou substituir o escravo pelo colono livre.

Humanitas. Felicitas. Libertas - foi a sua divisa e são símbolos de uma governação que aspirava a estes máximos da consciência humana. Conscientes das fragilidades da natureza, esperava ainda assim uma renovação, em que cada ser humano ousasse nas suas ações dar continuidade aos valores e construções  mais perenes. Acreditava que sobre as ondas do tempo surgiriam homens capazes de reconquistar, na efémera possibilidade dos dias, uma dimensão justa do Homem, " a sua intermitente imortalidade" (2). 


(1); (2) - Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano
Imagem, busto de Adriano, Museu arqueológico de Atenas

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