"Chico
chega aos setenta (e até agosto sou apenas um ano mais velho do que
ele, prazer de dois meses a cada ano).
O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso.
O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso.
Amo-o como amo a cor das águas de Fernando de Noronha, o canto
do sotaque gaúcho, os cabelos crespos, a
língua portuguesa, as movimentações do mundo em busca de saúde social.
Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada
verdade das pessoas. Os arranha-céus de Chicago, os azeites italianos,
as formas-cores de Miró, as polifonias pigmeias. Suas canções impõem
exigências prosódicas que comandam mesmo o valor dos erros criativos.
Quem disse que sofremos de incompetência cósmica estava certo: disparava
a inevitabilidade da virada. O samba nos cinejornais de futebol do
Canal 100, Antônio Brasileiro, o Bruxo de Juazeiro, Vinicius, Clarice,
Oscar, Rosa, Pelé, Tostão, Cabral, tudo o que representou reviravolta
para nossa geração foi captado por Chico e transformado em coloquialismo
sem esforço.
Vimos melhor e com mais calma o quanto já tínhamos Noel,
Haroldo Barbosa, Caymmi, Wilson Batista, Ary, Sinhô, Herivelto. A
Revolução Cubana, as pontes de Paris, o cosmopolitismo de Berlim, o
requinte e a brutalidade de diversas zonas do continente africano, as
consequências de Mao. Chico está em tudo. Tudo está na dicção límpida de
Chico. Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá
finalmente visto o Brasil. Sem
o amor que eu e alguns alardeamos à nossa raiz lusitana, ele faz muito
mais por ela (e pelo que a ela se agrega) do que todos nós juntos.”
(Um texto de uma profunda beleza de Caetano sobre Chico, retirado da sua página e que nos devolve esse amor profundo ao essencial, por tantas emoções, tantos anseios, tantos desencontros, tantos nós que nos cantou para embalar o sonho e o coração).
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