segunda-feira, 9 de junho de 2014

Leituras - A educação sentimental dos pássaros

"Caio, quase durmo.
Os pássaros voltaram a cantar. Percorro um corredor, ou um rio, umas vezes um corredor, outras um rio. Uma luz escura arrasta-me através dos salões vazios, ilhas que flutuam, noites soltando contra mim os seus insectos alados. Vejo escamas, asas, casas queimadas, e por dentro um assombro de larvas. 
Oiço a voz convulsa dos mortos.
Matei-os eu.
Porque os matei?
Porque podia."

No rio da indiferença que consome os dias tranquilos, na respiração do quotidiano, o que conduz à construção da maldade? Na aprendizagem da dissimulação, valor tão prático, tão substantivo, na realidade política, como iludimos o essencial, a nossa precária sabedoria e nos consumimos na violência? Onde nasce a maldade? Onde se constrõem os demónios?

De "A Educação sentimental dos pássaros" a "O fogo avança", pequenos contos onde a respiração de duas formas de opressão individual, com o poder construído na ilusão da dignidade, do valor humano indiferente, numa ideia de liberdade feita apenas e só para a satisfação de privilégios pessoais.

O mal como a construção sublime, a complexidade benovelente do ser construído na admiração alegre dos que serpenteiam pela obtenção do poder que se impõe pelo lucro, pelo domínio imoral dos outros. A fragmentação da limpidez do bem tomado como incompreensível, onde um circo de personagens perversas se revelam. A guerra civil em Angola dá-nos essa dimensão, dos que acreditam nasta grandeza de construção, nesta aparência de determinação que ilumina o mal. As escamas dos mortos e a dança do siêncio são hoje o triunfo de uma classe de novos ricos. A maldade tem sempre os seus fiéis.

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