sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sophia - A poesia em si

"Olho para a ânfora igual a todas as outras ânforas, a ânfora inumeravelmente repetida mas que nenhuma repetição pode aviltar porque nela existe um princípio incorruptível. Porém, lá fora, na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são oferecidas. Coisas diferentes. 

Não têm nada de comum nem comigo nem com o sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. Mundo que não está religado nem ao sol nem à lua, nem a Ísis, nem a Deméter, nem aos astros, nem ao eterno. Mundo que pode ser um habitat mas não é um reino.O reino agora é só aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a aliança que cada um tece. 

Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na pureza a cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão. Semelhante o corpo de Orpheu dilacerado pelas fúrias este reino está dividido. Nós procuramos reuni-lo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa. É por isso que eu levo a ânfora de barro pálido e ela é para mim preciosa. Ponho-a sobre o muro em frente do mar. Ela é ali a nova imagem da minha aliança com as coisas. Aliança ameaçada. Reino que com paixão encontro, reúno, edifico. Reino vulnerável. Companheiro mortal da eternidade." (1)

(A poesia que é sinónimo da sua palavra, Sophia e do seu perfume. O que nos dá o encanto impressivo da claridade que tanto procuramos na compreensão do possível onde se fragmentam os nossos passos de sol nas ondas de azul. Nos lugares onde ambicionamos a substância de um encontro real, a voz dos nossos precários desejos. Sophia é, nunca é demais relambrar a sua mensagem única, vivida na Poesia, pelas possibilidades que nos deu de saber olhar e com ele construir a própria linguagem, o seu reino.)

(1) Sophia, in "Arte Poética 1"

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