terça-feira, 27 de maio de 2014

Na ilusão da liberdade

"Eu próprio procuro, em vão, uma expressão que reproduza exctamente a ideia que faço dela e a possa conter; as antigas palavras 'despostismo' e 'tirania' não servem. O fenómeno é novo; tentarei portanto defini-lo uma vez que não consigo atribuir-lhe um nome. [...] 

vejo uma multidão imensa de homens semelhantes e de igual condição girando sem descanso à volta de si mesmos, em busca de prazeres insignificantes e vulgares com que preenchem as suas almas. Cada um deles, colocando-se à parte, é como um estranho face ao destino dos outros. [...] Acima desses homens, ergue-se um poder imenso e tutelar que se encarrega sozinho da organização dos seus prazeres e de velar o seu destino [...]

Agrada-lhe que os cidadãos se divirtam, conquanto pensem apenas nisso [...] Sempre pensei que esta espécie de servidão, ordenada, calma e amena de que acabo de fazer o retrato se poderia conjugar melhor do que se imagina com algumas das formas exteriores de liberdade e que não lhe seria impossível estabelecer-se à sombra da própria soberania do povo."

Parece-vos recente, possível este equecimento da nossa consciência por uma prática de liberdade e de verdade? Não, não é de nenhum ilustre comentador. Apenas de um dos maiores pensadores da América que viu acima da espuma essa imensa solidão com que o poder se tenta de contornar com as suas mentiras a verdade interior de cada um, a sua respiração. Palavras de grande visão que  os profetas do utilitarismo tanto desprezam. Apenas Alexis de Tocqueville, desse livro imenso, Da Democracia na América.

(Imagem - Garffiti - na Rua de Santa Cata­rina, no Porto).


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