«Estamos
ainda longe de praticar a democracia». (1)
As sociedades mais saudáveis, capazes de se avaliar nas
suas dificuldades e nas suas superações interiorizam aquilo que é o seu
percurso histórico. Passaram quarenta anos sobre o 25 de Abril. É importante,
indispensável analisá-lo como memória do passado, mas também como elemento
essencial da História Contemporânea, em que vivemos.
O movimento dos capitães representou o grande
acontecimento da História Contemporânea portuguesa do século XX. A evolução foi
imensa em aspectos tão essenciais como o acesso à escolarização, a mortalidade
infantil, as condições materiais de vida são incomparáveis. Mas é evidente que
se vive, que se sente um imenso desânimo, um ar de fim de regime pela junção de
factores muito preocupantes.
Do processo revolucionário não saiu um estado Democrático
plenamente erguido em alicerces de soberania na justiça, de coesão social, de
valores educativos sólidos. O contrato eleitoral, base de eleição num sistema
democrático tem-se tornado irrelevante. Sente-se que qualquer promessa vale,
independentemente da sua veracidade, da sua oportunidade e da sua justiça para
os dias das pessoas.
A integração europeia deu-lhe uma aparente
sustentabilidade económica, alguma formulação jurídica, mas o conteúdo
revelou-se limitado. Não temos um verdadeiro espaço público que fundamente
ideias. As associações culturais têm pouca influência no arco da governação. Os
empresários não assumem projectos de risco e de integração social. A sociedade
civil não tem mecanismos para fazer valer os seus direitos de forma plena. Os
valores humanistas foram substituídos por uma legião de tecnocratas que apenas
admite como valor o aspecto utilitário das acções quotidianas.
Os partidos políticos alimentados por uma visão pouco
crítica do País, remando em facilidades de curto prazo, o horizonte da eleição,
preocupam-se com a reprodução do poder, sem olhar para a identidade, para as
necessidades das pessoas, para o território onde vivem. Sem grande
representatividade social, são alimentados por pessoas que acedem aos cargos
mais importantes sem terem dado prova das suas ideias, ou de as terem executado
em qualquer comunidade.
O casting feito pelos partidos é imposto à sociedade
com regras que a maioria não compreende. É verdade que se ganhou a Liberdade, que não é possível
ser preso sem culpa formada, sem a intervenção de um tribunal. É verdade que
podemos ler os jornais livremente, adquirir um livro sem restrições. Mas
sente-se que podia, deveria ter sido possível criar uma Democracia em que os
políticos em vez de proclamarem ideias como quem dá rebuçados, tivessem um
plano, uma ideia de País.
Em cada aniversário de Abril depositam-se umas flores,
vêem-se umas imagens, organizam-se uns desfiles, mas nada disso é essencial. O
25 de Abril tem de valer ser recordado pelo que permitiu construir, não pelos
frutos amargos que desapareceram. E para isso é preciso construir a memória. É
indispensável não apenas apelar ao voto de modo circunstancial, mas ter uma
atitude que seja um exemplo para o País.
Para tal, não basta propor frases
vazias ao sabor de circunstâncias, mas olhar com inteligência para aquilo que é
a sua identidade. As sociedades não são um mar plano, definido, previsível.
O País caminha perigosamente para uma falta de credibilidade das suas
instituições, onde os valores parecem uma miragem. Sem eles arriscamos aquilo
que Eça dizia há algumas décadas. Existir apenas, «isto é viver, numa
civilização, sem verdadeiramente fazer parte dela e do seu desenvolvimento.» (2)
(1) José Gil, Em Busca da Identidade
(2) Eça de Queiroz, O Distrito de Évora citado de Miguel Real, A Morte de Portugal