No
Dia Mundial do Teatro não é essencial expôr a essência da arte de
representar. Como ela é feita de suor, dádiva, luz a que os fenómenos de
mercado não permitem envolver nestes tempos em que parece cada vez mais
difícil assegurar a diversidade na escolha.
No
Dia Mundial do Teatro não é insispensável falar da falha de objectivos
em relação a actores, a projectos municipais de participação das
pessoas, à ridícula existência de actividades de Teatro nas escolas como
opção formativa. No seu papel para alargar horizontes ou enriquecer a
personalidade e respectivas capacidades. Nada disso é essencial.
No
Dia Mundial do Teatro não é importante remontar à cultura clássica e
salientar a evidência da procura do alimento espiritual para convocar a
acção dos homens, desenvolver a compreensão dos valores que pela coragem
e liberdade permitem atingir novas perguntas. Não é essencial focar
mais uma vez essa tentativa de reencontrar um fundo espiritual. Além do
mais o imediatismo mais prático não necessita destas ferramentas.
No
Dia Mundial do Teatro deixemos uma só, livre e encantada palavra pela
sua matéria-prima, o actor. Acima das cerimónias oficiais, a palavra, o
sentido, a gratidão do sonho e do cansaço. É uma simples opinião, mas
ele é, foi, talvez seja O Teatro.
Nasceu,
cresceu e viveu no palco, personagens múltiplas, dádivas em pele por
uma humanidade que ofereceu em sorrisos tímidos e palvras de
inconformismo. Viveu o futuro, com inspiração e fez das palavras sons de
emoção onde nos encontrámos com os momentos de pequenez e grandeza de
que somos capazes. Apesar do tempo a sua imagem, os seus gestos, as suas
palavras, o seu espírito revela-nos esse ocaso de «poeira cósmica» que
parece ainda ser possível desvendar na humanidade.
Chama-se Mário Viegas e foi o actor. Abaixo um excerto de Serenidade, que ainda parece audível na gravidade doce da sua voz.
«Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humanidade das bocas.
Vem serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os lábios cheguem à altura dos beijos. (...)
Vem serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de oiro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proibem o céu
vem com o nevoeiro. (...)
Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.(...)
Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.»(...)
in, Raul de Carvalho, «Serenidade És Minha»
Imagens, Teatro São João no Porto
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