segunda-feira, 24 de março de 2014

A universidade...de 69 a dias tardios

Há justamente uma semana (17 de Março de 1969), ou seja há um pouco mais de quarenta anos, que em Coimbra, na sua academia universitária, um grito envolvente, indignado, convicto de estudantes que queriam ter direito a exprimir a sua palavra. Não foram autorizados. Nascia um protesto de uma geração, resultado de uma inflamação profunda de um País doente cercado em si próprio e sem a voz que da periferia do Maio de 68 lhe chegava em imagens isolados de um futuro que parecia aqui não poder existir.

A crise académica de 1969 conduziria ao fim governativo de um ministro que anos mais tarde se estrearia na popularidade dos néons. Estranho o modo como a coerência não é um crédito para a consistência das acções no domínio público deste País. Mais protestos e greves ocorreriam com a crise académica. Foi o princípio do fim do Salazarismo e a crença de que nos verdes anos nasceria um horizonte novo. Mais um engano.

A Primavera marcelista revelaria ser desprovida de flores e comprovar-nos-ia como homens cultos e inteligentes podem comprometer a dignidades dos seus cidadãos. Preso na hierarquia do Poder, o Marcelismo manteria essa tradição de uma obrigação fútil e sem respeito por uma consciência humana e historicamente digna.

E hoje, que palavras temos? Quais as que podemos usar? Queremos falar ou estamos abandonados ao compromisso velho, sem miragem, nem distância, onde o carácter e a ética são palavras de museu pouco significante para os vivos. E o que é hoje a Universidade Portuguesa?

De 1969 até ao século XXI que caminho passou oferecer a Universidade à formação dos jovens? É livre nos seus domínios de saber ou está condicionada a uma tecnocracia economicista de lobbies privados? Está organizada para a exigente criação e transmissão do saber ou é apenas uma locomotiva para a promoção social? Continua a promover o prazer de estudar, o viver o estudo com uma missão para a sabedoria e a construção dos valores?

O estado lastimável da Universidade portuguesa em 2014 é o espelho, o mais decepcionante deste fracasso cultural em que a sociedade deste País se tornou. A banalização dos valores e das instituições consagrou uma formação intelectual de valor medíocre. Nos anos sessenta a Universidade era frequentada por uma minoria, oriunda das famílias ricas que abasteciam o Estado para os cargos executivos. A pouco transparente coesão social era suportada por uma arquitectura de poder autoritária. E hoje?

Temos a palavra, dirão muitos. Quantos se levantam e indignam para a usar? Que significado lhe é dada pelos que ocupam o Poder? Vale o cidadão mais do que o seu voto circunstancial? Conseguiu a Universidade formar com competência para uma sociedade aberta, onde as instituições dependem da existência de mecanismos de justiça e oportunidade? A verdade, por muito que custe admitir, é que a Universidade portuguesa mostra-se incapaz de criar elites, que sejam património de conhecimento onde exista igualdade no acesso e responsabilidade na sua formação.

A Universidade portuguesa não soube evoluir do valor medíocre do Estado Novo, alicerce de uma sociedade fechada para o alargamento disciplinado, consistente e partilhado do conhecimento. Quem a serviu nos órgãos tutelares do Estado nunca compreendeu a sua real dimensão transformadora para o País. As suas essenciais funções dissolveram-se numa classe política que sem conhecimento histórico e rigor de cidadania a conduziu a esta dimensão lamentável.

Quando passam quarenta e cinco anos sobre a crise de 1969 é importante deixar aqui, em memória deles e de nós, os que precisamos de falar, um som de sempre. Afinal a História, enquanto disciplina é uma construção de cada geração, e não uma colecção de palavras gastas e bolorentas que alguns representam, ainda que com aparente sucesso.


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