sábado, 15 de fevereiro de 2014

Estorvo

"Ao subir no ônibus, lembro que não tenho dinheiro para a passagem. Apalpo-me diante do motorista, que olha a mancha viva na minha camisa, faz uma certa careta e me deixa passar. Dou de sorte de encontrar um banco vazio (...). O motorista custa a dar a partida, olha para os lados, parece contar com outros passageiros. Penso em lhe avisar que hoje os moleques dos limões não vêm, mas sinto imenso cansaço. Encosto a cabeça no vidro. Não haverão de me negar uma ficha telefônica na rodoviária." (pág. 138)

Estorvo, primeiro livro de Chico, prémio Jabutti 1992, é um livro sobre o Homem na cidade, não no sentido da descoberta, mas de quem faz uma viagem à procura de um espaço que já não é o seu. A cidade, como espaço perturbado de sombras, de outros, de atmosferas que não são planos de encontro, que não concretizam possibilidades. A cidade estranha a nós, imensa, vazia, de caminhos e figuras determinadas pelo estorvo que não nos aceita. A cidade, como uma imensa solidão, um espaço onde nunca chegamos a ser.

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