quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Orwell


"Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um acto revolucionário." (1)

Imaginámos no mais puro engano que o crescimento civilizacional apuraria os nossos ideais por uma sociedade digna de se chamar humana, que os valores espirituais acompanhariam o crescimento económico e o desenvolvimento tecnológico. Imaginámos que a ilusão seria a forma acabada de uma certa hipocrisia política de conceber a organização social e cultural das sociedades. Imaginámos que a vitória nessa luta era uma aquisição da Humanidade.

Há figuras, personalidades que pensam os seus dias, dão-nos formas de desenhar a construção do quotidiano e lembram-nos como a nossa fragilidade, o nosso desamparo se apresenta como um molde por onde os mais desajustados à dignidade humana se confinam em páginas de indiferença. Fez ontem, um pouco mais de sessenta nos que deixámos de visitar a presença física de um homem que compreendeu como poucos o que foi o século XX - George Orwell. Foi um dos escritores que mais influenciou o século XX. Deixou uma obra importante que soube diagnosticar a tragédia humana que representou o século XX em tantas geografias. De «A Quinta dos Animais», entre nós, «O Tiunfo dos Porcos», a 1984, a sua obra traçou, como uma alegoria, os mecanismos do desprezo pela humanidade que marcaram significativamente o século passado.

Orwell, demonstrou com clareza, como o controle da informação, o apagamento da memória, a destruição de uma consciência humana, a ausência da individualidade, a anulação da espiritualidade construiram regimes inquietantes, feitos de angústia e sofrimento de dimensões indescritíveis. Revelou nas suas páginas, o que muitos respeitados intelectuais não souberam verificar, quando as marchas de paz no Mundo, eram a expressão armadilhada de uma doutrina de tirania.

O início do século prometia uma difusão de regimes democráticos, perto do que alguns consideraram a progressão da História. Vivemos a confirmação do regresso da História, onde a promessa de uma humanidade «feliz», onde a dignidade seja respeitada continua, não só por construir, mas como regrediu a níveis preocupantes. Ao poder esmagador dos estados autoritários do século XX, assiste-se pela fragmentação dos poderes tradicionais à mesma limitada oportunidade que o indivíduo tem em garantir a sua voz de individualidade.

As transformações tecnológicas têm contribuído para isolar o indivíduo, pelo controle quase de ubiquidade que as máquinas permitem e pelo tempo desperdiçado na sua aprendizagem que nunca poderá ser de igual riqueza ao que se dispende a alimentar o conhecimento dos outros. Sendo o tempo uma realidade tão preciosa, a evolução económico-social tem garantido a liberdade humana, nas instituições que devem garantir a Democracia?

Tocqueville há dois séculos lembrou que para as sociedades democráticas, as que respeitam a identidade humana, o mais perigoso é que «no meio das pequenas ocupações incessantes da vida privada, a ambição perca o seu ímpeto e a sua grandeza (2)". Estamos pois de regresso às palavras de Orwell e essa é a sua grande "vitória", do tempo que o compreendeu muito limitadamente. Orwell, como Camus compreenderam mais que o século XX, compreenderem as motivações e as formas que organizam as formas políticas na ambição de dominar os cidadãos numa sociedade de ilusão e de privilégios de uma minoria. Na "Quinta dos Animais", há novos "líderes", para a confirmação da velha ideia tão do agrado de um certo poder político, "todos somos iguais, mas uns mais iguais que outros".

(1) George OrwellSelected Writings, Penguin
(2) Alexis de TocquevilleDa Democracia na América
Imagens, in http://www.famousauthors.org/george-orwell

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