domingo, 24 de novembro de 2013

Memórias de um mestre

"Aqui, e em todo o mundo (civilizado, é claro) a humanidade foi submetida a uma operação ditatorial que todos acolhem voluntariamente. Que estarão a fazer as pessoas nas suas casas, segregadas, com as janelas fechadas, sem darem sinais de vida?"

Quem o conheceu sente-lhe a saudade da sua presença imensa, da sua voz ligeiramente grave adoçada de gestos de simpatia. Sente a falta de uma companhia que ensinava tanto, numa humildade inesquecível. Com ele aprendemos tanto e deixou-nos lições de vida sobre o que significa a cidadania, o que podemos individualmente fazer com as ideias, com o que sentimos em eternas viagens entre a Ciência e a Poesia, a nossa humanidade. E ensinou-mos com o seu exemplo, as suas palavras que somos o que fazemos, o que pensamos, sem grande esperança por uma condição humana que tantas vezes se deixa governar por um conjunto de ilusões. 

Memórias é um pouco tudo isto. Raras vezes a leitura de um livro nos concedeu a respiração da liberdade de quem se guiou pela dignidade e pela beleza, servidas pela ironia e simplicidade. Na leitura, fração limitada das palavras aspiramos docemente a grandeza humilde de um grande ser. O renascimento nas ideias, a experimentação material do real em lições de simplicidade e saber. 

Se as palavras podem "transcrever" o real, poucas vezes elas nos deram o saber natural de um mestre. Dos que ensinam pelo simples prazer de conhecer e questionar o que não sabemos. O conhecimento e o saber como meditação e testemunho da nossa "humanidade" é a memória que Rómulo nos deixa, enquadrado numa ética natural de uma raridade que nos contempla e nos engrandece.

Ser um pensador, um poeta, um homem de conhecimento e de cultura, sem ser um intelectual, onde adivinhamos uma curiosidade pela descoberta, foi o seu grande testemunho. Descobrimos nas suas Memórias um retrato de um País cinzento e uma contemplação pelas misérias humanas, na mesma grandeza com que descobria os átomos. Em Memórias Rómulo de Carvalho estabelece com o leitor uma conversação, num "movimento perpétuo" pelo prazer imenso de saber e conhecer.

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