sábado, 8 de junho de 2013

A Casa Desmedida IV

Ao domingo era obrigatório jantar com a família, um jantar compridíssimo,numa mesa compridíssima. Na cabeceira, estava sentada a minha Avó, já doentíssima e que não comia nada. Nós as crianças ficávamos no outro topo da mesa e aproveitando a distracção dos adultos só comíamos o que nos apetecia. No meio da mesa a todo o comprimento havia maravilhosas compoteiras cheias de frutos secos, frutas cristalizadas e doce de ovos.

Nós começávamos o jantar por aí. Eu comia sobretudo alperces cristalizados e avelãs. Outros especializavam-se em queijinhos de ovos ou nozes ou passas. Deixávamos a sopa em meio e pouco nos interessávamos pelo primeiro prato e pela carne. Mas à sobremesa fazíamos fabulosos festins de pudim de maçãs ou castanhas com natas ou tarte de morangos ou framboesas, ou bolo de chocolate, conforme as estações. Às vezes quando nos servíamos demais o criado dava-nos uma cotovelada.

Também ríamos imenso no topo da mesa - e também nos maçávamos um tanto, fartos de estar sentados e fartos de fartura. Quando finalmente nos levantávamos e os adultos se sentavam nos cantos do átrio fugíamos para os quatro cantos da casa: ou para a sala de jogos bonde fazíamos castelos de cartas, construções feéricas com as pedras de Majong, ou para o bilhar onde os mais velhos tentavam jogar com os tacos e os mais novos jogavam à mão, fazendo rolar as bolas de marfim brancas e vermelhas até aos buracos do canto, em diagonal pela mesa fora, ou jogávamos às escondidas em salas desertas. 

(Originais integrados na exposição da Biblioteca Nacional e disponíveis a todos a partir de 2016)

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